jornalismo, cultura e a opinião que ninguém pediu

30.10.06

LEITURAS DA VITÓRIA (E DA DERROTA)

O melhor palpite é o que se dá depois do jogo. Alguns veiculados na imprensa (clique nos links para ver os artigos):

Diogo Mainardi: mostrou uma irritação inédita no Manhattan Connection de domingo. Logo ele, que leva tudo pra avacalhação? Seu recado: "O povo escolheu Lula. Problema deles."

Paulo Moreira Leite: entrou na alma do eleitorado. A eleição de Lula não foi a da esperança, mas a da cobrança. Ver o homem que o povo pôs lá cair assim seria desistir de toda aquela esperança de 2002. Seria desistir de sua própria esperança. Lula só não foi eleito no 1o turno porque o povo queria dar uma lição nele, mostrar que está atento.

Reinaldo Azevedo: passou a campanha repetindo que votar em Alckmin era imperativo ético. Derrubar Lula e os 40 ladrões era o que importava. Vitória de Lula, lembrou que não se importa com que o povo pensa. "A democracia sempre foi salva pelas elites e posta em risco justamente pelo “povo”, essa entidade. Vai acontecer de novo. Lula, reeleito, tende a levar o país para o buraco." Golpismo? Reinaldo avisou que era piada, e quem não apertar a tecla SAP para entendê-las, que pare de ler seu blog.

Franklin Martins: "Outros fatores também pesaram na decisão do eleitor, como o carisma do Lula e os erros da oposição, mas a principal explicação para a expressiva vitória de ontem está na inclusão social. Ela é a grande vitoriosa nas urnas."

Paulo Henrique Amorim: foi uma vitória ideológica. Direita vs. Esquerda; Trabalhismo vs. Conservadorismo.

Ricardo Noblat: diga adeus ao terceiro turno, e digam adeus a uma oposição forte a Lula no Congresso. O PSDB está recolhendo os pedaços.

Mino Carta: Temos a tradição do voto de cabresto, mas a eleição de 2002, cujo resultado esta de 2006 confirma, a desfazem. O povo brasileiro fez sua escolha à revelia daqueles que desde sempre pretendem enganá-lo". O povo quer Lula, e não há mais quem o impeça de querê-lo.

Ressalte-se que as escolhas de Diogo Mainardi, Mino Carta e Reinaldo Azevedo foram expostas há muito tempo. Têm todo o direito de comemorar ou de espernear. Já a Veja... vamos ver em que galho vão se segurar.

REQUIÉM PARA ALCKMIN

Alckmin, o Geraldo, conseguiu uma proeza: perdeu 2,5 milhões de votos em 29 dias, período que separou o 1º do 2º turno. Só em São Paulo, onde obteve a maior vitória contra Lula no 1º turno, 230.000 pessoas desistiram de votar no Geraldo. O que deu errado? Ele mesmo.

Alçado candidato do PSDB em março, passou o tempo todo repetindo que a campanha só começava com o horário eleitoral na TV, em setembro. Não apareceu, não falou, não fez propostas, não criou factóides, não tirou foto montado em burro, nem comendo buchada de bode, muito menos ao lado de modelos sem calcinha – nada. Só aparecia nas reportagens sobre pesquisas eleitorais, sempre mal na fita. Quando o programa estreou na TV, trazia uma única certeza: Alckmin, o Geraldo, acha que o Brasil é São Paulo. Enquanto Lula mostrava negros, índios, pobres, nordestinos, nortistas, gaúchos, Alckmin só mostrava paulistas e os programas que implementou no estado. Nenhuma palavra sobre programas que ele pretendia implantar no Brasil.

Depois do 1º turno, o Geraldo se recolheu. Passou mais uma semana calado, deixando seus novíssimos eleitores sem ter o que comentar nos bares e esquinas da vida. Reapareceu no debate da Band, estilo Mike Tyson. Desferiu várias vezes o que julgava ser seu golpe mortal: “Lula, de onde vem o dinheiro?” Muita gente do PSDB aplaudiu de pé: o Geraldo finalmente vestiu o manto do anti-Lula. Ninguém mais agüentava ouvir sobre sua juventude em Pindamonhangaba.

Mas a febre durou pouco. O Geraldo resolveu voltar a ser ele mesmo, e ainda cagou na cabeça do PSDB do Rio de Janeiro e da Bahia, ao aceitar o apoio de Anthony Garotinho e Antônio Carlos Magalhães. Em vez de ganhar aliados de outros partidos, perdeu-os dentro do PSDB. E continuou a dizer rigorosamente nada sobre o que faria se fosse eleito.

Fora ser o anti-Lula, o Geraldo não foi mais nada. E nem isso fez direito. Atacava a corrupção no governo Lula, mas mal falou sobre o mensalão. Provavelmente para poupar gente do seu partido envolvida com Marcos Valério, o carequinha. Preferiu repetir diariamente a história da compra do dossiê – que não é crime.

A revista Veja perguntou a 90 eleitores de oito estados seus motivos para votar em Alckmin e em Lula. Dos que votam em Lula, 89% justificam sua decisão citando realizações do presidente. Já dos que votam em Alckmin, 60% o escolheram simplesmente porque rejeitam Lula. Não porque gostem de Alckmin. Em 1989, se dizia que o Brasil elegeria um poste para não eleger Lula. Deu certo com Collor. Não deu com Alckmin, o Geraldo.

29.10.06

VEJA DIVIDIU O BRASIL EM DOIS: LUTA DE CLASSES?

A revista Veja dividiu o Brasil em dois. Um que “busca a riqueza e o crescimento”, outro “arcaico e clientelista”. Um que está no Sul e Sudeste, outro no Norte e Nordeste. Um que vota em Alckmin, outro em Lula. Simples assim.

Veja usou um mapa para comprovar sua tese: os municípios em que Lula venceu no 1o turno estão concentrados no Nordeste e no Norte (mais pobres e menos informados); Alckmin venceu no 1º turno nos municípios do Sul e do Sudeste (mais ricos e mais informados).


Mas, segundo Veja, a divisão não é só sócio-econômica: é também moral. Na edição seguinte à realização do 1º turno, a “Carta ao Leitor” informa que a disparada de Alckmin no que seria a reta final da disputa indica que a maioria do eleitorado “não quer um país onde as autoridades responsáveis pela manutenção das leis e pelo respeito à ética são as primeiras a quebrá-las”. Afinal, o Brasil que votou em Lula está “resignado às práticas de corrupção e habitado por uma população que, premida pela miséria, tem como única perspectiva de vida usufruir os benefícios imediatos proporcionados por projetos assistencialistas”.

De acordo com essa análise, a vitória de Lula representa uma escolha do Brasil arcaico imposta ao Brasil moderno. E lembre-se: o Brasil moderno recolhe mais de 80% dos impostos federais. Esse dado foi capa do jornal Folha de S. Paulo na quarta-feira. Poderia ser manchete em qualquer dia de qualquer ano, mas só mereceu tamanho destaque às vésperas da eleição presidencial.

O apartheid de Veja é moral, econômico e geográfico. E burro. Números do Datafolha que o verdadeiro Brasil rico e bem-informado “lulou” nessas semanas entre o 1º e 2º turnos:

Entre os eleitores com renda familiar mensal acima de 3.500 reais, 53% votam em Alckmin, 43% em Lula. Alckmin leva vantagem, mas está longe de ser uma vitória esmagadora.

Entre os eleitores com escolaridade superior, 44% votam em Lula. 50% em Alckmin. Quase empate técnico.

Além disso, Alckmin perdeu votos em todos os estados do “seu” Brasil, enquanto Lula aumentou sua votação expressivamente. À exceção do Rio Grande do Sul, onde Alckmin manteve o número de votos do 1º turno. E onde Lula teve 40% a mais de votos.


Não foi o Brasil “arcaico e clientelista” que elegeu Lula. Foi o Brasil. País que ostenta o título de vice-campeão mundial de má-distribuição de renda. Má-distribuição que pode ser verificada tanto em Roraima como em Pernambuco como em São Paulo como em Porto Alegre. Em todos esses lugares há ricos morando em casas suntuosas localizadas a poucos metros de favelas. Donald Trump, dono de 2,9 bilhões de dólares, profetizou: “Os ricos vão ficar mais ricos e os pobres vão ficar mais pobres. Eu já escolhi de que lado eu quero estar”. Parece que Veja também.

26.10.06

ALCKMIN, O ILUMINADO


O Geraldo surpreendeu todo mundo. Muito se falou em "cristianizar" o candidato do PSDB, porque, contra Lula, ninguém teria chance. Lutou desde o começo do ano para ser o candidato do partido. Conseguiu a indicação no dia seguinte em que José Serra divulgou publicamente que queria a vaga para concorrer à Presidência pelo PSDB. O Geraldo começou devagar, sendo desconhecido por 50% do eleitorado. Depois do horário eleitoral gratuito, melhorou seus números, mas pesquisas mostravam que não ia dar pra levar pro 2o turno. No dia da eleição, a surpresa: 40 milhões de votos para o Geraldo. Para se ter uma idéia, José Serra, já no 2o turno contra Lula em 2002, conseguiu 35 milhões de votos.

O Geraldo lutou contra o desconhecimento do público, números desfavoráveis e companheiros de partido que preferiram ou apoiar Lula ou ao menos ignorar sua candidatura. José Serra e Aécio Neves, dois dos principais nomes do partido, falaram pouco, quase nada, em sua defesa. Quanto a FHC, esse era melhor que ficasse de lado.

Mas ele chegou lá. E agora tenta a vitória final, novamente desacreditado pelas pesquisas (perde por 20 pontos percentuais de diferença) e com falta de apoio expressivo. No dia do debate da TV Record, José Serra não foi aos estúdios acompanhar seu candidato. Preferiu assistir a um filme de Cao Hamburger, diretor do programa "Castelo Rá-Tim-Bum". Será que ele chega lá?

O Geraldo tem aparecido muito, mas fala pouco. Entre seus eleitores, não se acha ninguém capaz de elencar suas propostas. "Alckmin parece ficar desorientado quanto ao que dizer. Parece que tudo o que lhe ocorre é pedir ao eleitorado um cheque em branco para os próximos quatro anos, pois não diz nada que seja esclarecedor – e não deixa os outros dizerem. Alckmin, sem o dossiê ou uma provocação terrorista do PT, parece incapaz de alçar-se acima de dolorosas platitudes", escreve o editor da revista Veja em Brasília.

O Geraldo é o anti-Lula da vez, talvez sua melhor encarnação, porque só representa isso. Não tem idéias, nem apoio político próprio. Está longe de Serra e FHC, o máximo de apoio que conseguiu no 2o turno foi o de Garotinho. É a tábua de salvação para quem quer tirar Lula de lá. Será que o Geraldo chega lá?

15.10.06

ISRAEL: A TERRA PROMETIDA É FEITA DE SANGUE E FOGO

“A 14 de maio de 1948, se confirmaram as previsões dos profetas judeus. Segundo essas predições, o povo hebreu seria condenado a 2.000 anos de vida errante e miserável, findos os quais deveria regressar à Palestina onde, depois de grandes dificuldades , encontraria finalmente a paz". Essa declaração foi uma das primeiras oficiais do recém-formado Estado de Israel. Nesse mesmo dia 14 de maio de 1948, dia de sua fundação, Israel enfrentou sua primeira guerra contra nações árabes, e continua na mesma luta até hoje. Quase 60 anos depois, a paz não veio.

Todos os dias os telejornais mostram atentados, bombardeios e tiroteios envolvendo israelenses e palestinos. Judeus e muçulmanos. Ao contrário do que parece aos olhos do telespectador ocasional, essa guerra tem menos a ver com religião do que com terra. Uma terra do tamanho do estado de Alagoas, pouco mais de 22.000 km2.


Invasão israelense em Ramallah (Cisjordânia), 2002

Essa terra era o enclave britânico da Palestina. Depois da 1ª Guerra Mundial, os Aliados dividiram o Oriente Médio: Iraque, Síria, Turquia, Líbano, Jordânia e Palestina. A Inglaterra ficou com essa última em 1922, onde viviam mais de 650.000 árabes e 56.000 judeus. Em 1946, a proporção era de 1.000.000 de árabes para 700.000 judeus. Essa migração em massa de judeus era o movimento sionista, os judeus de volta à terra prometida.

O movimento sionista começara a se organizar em 1897, e ganhava força, prestígio e dinheiro da comunidade internacional. O Barão de Rothschild, riquíssimo banqueiro londrino, era um de seus expoentes. Judeus de todo mundo afluíam à Palestina, comprando terras inférteis e organizando os kibutz, fazendas coletivas socialistas. As terras eram propositalmente compradas em pontos espalhados da Palestina, demarcando as fronteiras do que seria o futuro país judeu.

Atentado terrorista em Tel-Aviv (Israel), 2000

A Inglaterra abandonaria o comando da Palestina em 1948, já recomendando a divisão do território em dois: um árabe e outro judeu. Os árabes, que ocupavam a terra desde o ano 638, não aceitaram a divisão. Mas assim foi feito. O resultado foi a guerra, a primeira. De um lado, os árabes palestinos, apoiados por Egito, Síria, Líbano e Jordânia. Do outro, os judeus, que treinaram no exército britânico e receberam armas da Tchecolslováquia. Mesmo em menor número, porém mais organizados e preparados há mais tempo para o conflito, os judeus não só estabeleceram o Estado de Israel como ampliaram suas fronteiras, eliminando o Estado Palestino e deixando mais de 800.000 palestinos refugiados nos países vizinhos.

Outras guerras se seguiram como a de 1967 (quando Israel tomou ainda mais territórios dos vizinhos) e a do Líbano. Hoje, estima-se em 3.000.000 os refugiados palestinos, vivendo na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios mantidos sob vigilância dos “postos de controle” do exército israelense.

Guerrilheiros da Brigada de Mártires Al Aqsa


Pode-se resumir assim: judeus ocuparam a Palestina árabe, criaram seu estado judaico, os árabes reagiram com guerras e as perderam, os palestinos ficaram sem país, mantém sua luta por meio dos ataques terroristas, mas são diariamente bombardeados por mísseis, bombardeiros e tanques que invadem e destroem suas já precárias cidades. E reagem com mais homens-bomba. É tudo o que têm. Porque a paz há muito tempo não parece uma opção, para nenhum dos dois lados.