jornalismo, cultura e a opinião que ninguém pediu

29.6.07

A VERDADE FOI SUBSTITUÍDA PELA VEROSSIMILHANÇA



Morreu o poeta Bruno Tolentino. Quem? Poeta? Muita gente achava que o Ferreira Gullar era o último da espécie. Se fosse a Maria Bethânia indo dessa pra melhor, já teríamos luto oficial. Porque cultura é importante. Era essa a área de Tolentino, cultura, mas não a mesma da que Bethânia participa. A dele era pra valer, erudita. Sua "inspiração" vinha de Homero, Dostoiévski, Manuel Bandeira, Lêdo Ivo. Não da praia de Itapuã e um copo de uísque. Em entrevista à Veja, em 1996, Bruno Tolentino separou as coisas:

- É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura.

Tolentino saiu do Brasil aos 24 anos e não voltou mais. Lecionou literatura em diversas universidades centenárias, como Oxford. No Brasil, botava a boca no trombone e denunciava tudo quanto fosse compadrio intelectual. O mesmo compadrio que existe entre políticos, empresários, entre bandido e polícia. Seguem mais trechos da entrevista, que mostra a opinião de quem experimentou vários séculos e muitas civilizações, através da literatura, da poesia e da música:

- Na República das Letras, ainda estamos à espera das diretas-já. A usurpação do poder legal por vinte anos deixou-nos seus legados nas patotas literárias que desde então controlam a entrada em circulação, ou a exclusão pelo silêncio, de livros, autores, obras inteiras. Nas redações dos jornais como nas universidades, prevalece a censura, e o único critério para sancionar uma obra parece ser o bom comportamento do neófito, sua genuflexão aos ícones da hora.

- A imbecilidade já crescia (em 1964). A ditadura simplesmente institucionalizou a falta de respeito pela realidade, pelo próximo, pela legalidade. A verdade foi substituída pela verossimilhança, a literatura, pela imitação da literatura.

- A escola pública desapareceu. A fórmula de sobrevivência do país é a trilogia emprego público, de preferência com aposentadoria acumulada, condomínio fechado e plano de saúde. Esse é o apartheid construído por uma elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura.

- O besteirol, se havia, estava lá longe, nos cantos. Hoje ele está no centro. Tem razões mercadológicas, de dinheiro. Os artistas devem ganhar muito, muito dinheiro, para ir gastar em Miami. Só não é possível que esses senhores usurpem a posição do intelectual. Eles são um formigueiro com pretensão a Everest.

- Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: "Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".


A entrevista foi republicada pelo blog do Reinaldo Azevedo.

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